Consequências emocionais da Dislexia de Desenvolvimento
Estratégias para uma Aprendizagem com Sucesso, Número 1, Volume 1
Lénia Carvalhais
A dislexia de desenvolvimento é uma dificuldade específica de aprendizagem da leitura e escrita, que condiciona a forma como o indivíduo se percepciona e como se relaciona com os seus pares, nos mais diversos contextos, desde educacionais até familiares. De acordo com a Federação Mundial de Neurologia (1968), a dislexia é uma perturbação que se manifesta através de dificuldades de aprendizagem da leitura e escrita, a despeito de instrução convencional, inteligência adequada e oportunidades socio-económicas.
Entre as manifestações de dislexia, incluiu-se a leitura em voz alta de itens isolados, que em crianças disléxicas, sobretudo a partir do terceiro ano de escolaridade, é significativamente distinta das crianças sem dificuldades de aprendizagem da leitura. De acordo com Miles (1993), é comum encontrarmos em crianças disléxicas uma leitura e escrita bizarras, pautadas por inversões, omissões ou acréscimos de sílabas ou fonemas. Segundo o mesmo autor, outra dificuldade registada na produção das crianças disléxicas prende-se com as fronteiras estabelecidas entre as palavras. Neste sentido, verificam-se quer erros de separação de palavras como “a manhecer” por “amanhecer” ou o erro inverso, que consiste em agrupar as palavras, que se grafam separadamente. O estabelecimento de fronteiras parece ser um exercício de grande dificuldade para as crianças disléxicas. Na realidade, as crianças sabem que algumas letras devem ser repetidas, embora não saibam quais, nem a ordem pela qual devem estar organizadas. A questão da ordem das letras numa palavra está relacionada com a capacidade de sequenciar, associada a problemas ao nível da memória de curto-prazo (Miles, 1993). As omissões e duplicações de um som, a leitura fonológica e a inclusão de vogais são outros dos tipos de erros de leitura. Para além da correcção de leitura, outra das características da produção de uma criança disléxica é a lentidão na descodificação da informação.
Tratando-se de um produto da aprendizagem, se a criança não consegue ler e escrever como os seus pares, a actividade torna-se cada menos interessante, caso recorrente entre crianças disléxicas e que vai ao encontro da definição apresentada no DSM-IV, segundo o qual «A perturbação de leitura interfere significativamente no rendimento escolar ou em actividades da vida quotidiana que exigem habilidade de leitura (Critério B).» (APA, 1995).
Sendo a dislexia de desenvolvimento uma dificuldade de aprendizagem, que afecta significativamente o percurso académico de uma criança, traz necessariamente implicações emocionais, para as quais os pais e educadores devem estar atentos. Diversos estudos neste campo comprovam que as crianças com baixa auto-estima revelam menor confiança, não respondem voluntariamente às questões em sala de aula e evitam novas situações de aprendizagem. A auto-estima pode ser entendida como os sentimentos e as ideias que cada indivíduo constrói acerca das suas competências, da capacidade para fazer a diferença, para se confrontar com as mudanças, para aprender a lidar com o sucesso e o insucesso. De acordo com diversos autores, a auto-estima é a maior força que uma pessoa pode ter e que lhe permite ser resistente na adversidade e tornar-se resiliente.
Neste sentido, e segundo Pumfrey e Reason (1991), a combinação entre o trabalho em termos de capacidades individuais e um apoio emocional poder-se-á representar como uma boa opção, para auxiliar as crianças disléxicas. É necessário, pois, considerar que se trata de um grupo de alunos vulnerável a situações de stress.
As repercussões da dislexia são muitas vezes significativas, quer ao nível do sucesso escolar, quer ao nível do comportamento:
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Reduzida motivação e empenho nas actividades de leitura e escrita.
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Sintomatologia ansiosa perante situações de avaliação ou perante actividades que impliquem a utilização da leitura e escrita.
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Sentimento de tristeza e culpabilização, associado a atitudes depressivas diante das suas dificuldades.
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Sentimento de incapacidade, de inferioridade e de frustração por não conseguir superar as suas dificuldades e por ser sucessivamente comparado com os demais.
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Problemas comportamentais caracterizados por comportamentos de oposição e desobediência perante as figuras de autoridade.
Neste sentido, vários estudos nesta área comprovam que o diagnóstico e a avaliação da dislexia de desenvolvimento são fundamentais, mais do que para rotular uma criança, sobretudo para definir estratégias de intervenção, com vista ao seu sucesso escolar. Assim, as crianças e adolescentes disléxicos podem alcançar o sucesso e ter actividades profissionais altamente apoiadas na leitura e escrita, estando o seu sucesso escolar relacionado com o apoio escolar e familiar recebido. De uma forma geral, o docente, pelo contacto directo que tem com a criança em tarefas de leitura e escrita, consegue de forma mais imediata encaminhar a criança para especialistas, no sentido de detectar as suas dificuldades e de fornecer o devido apoio. Neste sentido, a formação docente na área das dificuldades de leitura e escrita e da dislexia em particular parece ser determinante. A compreensão deste problema e dos padrões esperados para uma criança disléxica têm que ser tidos em conta no sentido de evitar situações de discriminação e humilhação. O sofrimento que uma criança pode experienciar resultante das suas frustrações e erros é real e a incapacidade para compreender estas situações pode ter um grande impacto no desenvolvimento da sua personalidade.
Referências
APA (American Psychiatric Association). (1995). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV). Washington: APA.
Carvalhais, L. & Silva, C. (2006).Avaliação Psicológica da Dislexia de Desenvolvimento: construção da Bateria de Avaliação da Dislexia de Desenvolvimento. Actas do VI Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia, pp.42-56.
Carvalhais, L. & Silva, C. (2006). Dislexia: modelos de leitura, tipologia, avaliação e intervenção. Actas do Simpósio Internacional de Activação e Desenvolvimento Psicológico, pp. 263-270.
Miles, T. (1993). Dyslexia, the Pattern of Difficulties, Second Edition. London: Whurr Publishers.
Pumfrey, P. & Reason, R. (1991). Specific Learning Difficulties (DYSLEXIA). NFER-Nelson Publishing: London.
Reid, G. (1999). Dyslexia: a practitioner’s handbook, Chichester: John Wiley & Sons.
Lénia Sofia de Almeida Carvalhais, doutoranda do Departamento de Ciências da Educação da Universidade de Aveiro, com o projecto “Construção de um Instrumento de avaliação da dislexia em crianças dos 8-12 anos”, sob a orientação do Professor Catedrático Carlos Fernandes da Silva, da Universidade de Aveiro e do Professor Emeritus Tim R. Miles, da University of Wales, Bangor e financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia.